Brasília - DF, segunda-feira, 19 de abril de 2010
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Em 15 de abril de 2010
REFERÊNCIA: Processo nº 00400.023223/2009-89
1. O Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) apresentou Requerimento Administrativo pela revogação parcial da Orientação Normativa nº 27, de 9 de abril de 2009, a fim de que dela seja suprimido o trecho que "veda aos membros da Advocacia-Geral da União e de seus órgãos vinculados o exercício da advocacia privada e figurar como sócio em sociedade de advogados, mesmo durante o período de gozo de licença para tratar de interesses particulares, ou de licença incentivada sem renumeração, ou durante afastamento para exercício de mandato eletivo".
2. Sustenta, para tanto, em resumo, que tal restrição viola a lei e a Constituição e ofende direito líquido e certo dos integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU), em especial dos Procuradores da Fazenda Nacional, pelo referido Sindicato ora representado.
3. A Orientação Normativa n° 27/2009, publicada no Diário Oficial da União, Seção 1, pagina 5, de 14 de abril de 2009, foi exarada nos seguintes termos:
"ORIENTAÇÃO NORMATIVA N° 27, DE 9 DE ABRIL DE 2009
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO INTERINO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do processo nº 00406.002462/2008-64, resolve expedir a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgão jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:
É VEDADO AOS MEMBROS DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO E SEUS ORGÃOS VINCULADOS O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA PRIVADA E FIGURAR COMO SÓCIO EM SOCIEDADE DE ADVOGADOS, MESMO DURANTE O PERÍODO DE GOZO DE LICENÇA PARA TRATAR DE INTERESSES PARTICULARES, OU DE LICENÇA INCENTIVADA SEM RENUMERAÇÃO, OU DURANTE AFASTAMENTO PARA O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA EM CAUSA PRÓPRIA E A ADVOCACIA PRO BONO.
INDEXAÇÃO: ADVOCACIA PRIVADA, LICENÇA, MANDATO ELETIVO, CAUSA PRÓPRIA, PRO BONO.
REFERÊCIA: art. 28, inc. I, Lei Complementar nº 73, de 1993; arts. 28, 29 e 30 da lei nº 8.906, de 1994; parecer nº 06/2009/MP/CGU/AGU; Despacho do Consultor-Geral nº 524/2009"
4. O então Advogado-Geral da União interino, ao aprovar em parte o Parecer nº 06/2009/MP/CGU/AGU, fundamentou a ampliação da proibição veiculada no art. 28 da Lei Complementar nº 73/93 com o argumento, defendido no aludido parecer, de que a advocacia privada, mesmo nas situações em que o servidor não se encontra no exercício do cargo, possibilitaria a obtenção de ganhos financeiros e a captação de clientela, o que colocaria "em questão a independência e a impessoalidade, assim como a ética, do Advogado Público, mesmo que se declarasse impedido de atuar nos referidos processos".
5. Ouvida a Consultoria-Geral da União sobre o requerimento do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional, esta se manifestou pelo Parecer Nº 26/2010/DECOR/CGU/AGU, concluindo pela manutenção do entendimento exposto no Parecer 06/2009/MP/CGU/AGU, que resultou na Orientação Normativa Nº 27, de 09 de abril de 2009.
6. Invocando os argumentos expendidos no Parecer acima citado e no Despacho n. 524/2009, que o aprovou, da lavra do Consultor-Geral da União, foi reafirmado o alcance proibitivo decorrente do dispositivo contido na Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, quando expressa a vedação do exercício da advocacia pelos seus membros efetivos fora das atribuições institucionais.
7. Chama a atenção a passagem do parecerista originário, quando este afirma, ao tratar do alcance da proibição do exercício da advocacia quando o membro efetivo da AGU estiver sob licença para tratar de assuntos particulares, tendo asseverado: "A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente. O silêncio total da lei, aparentemente voluntário, no que diz respeito aos impedimentos, legitima o entendimento de que é possível a advocacia privada nos casos de licença. Sim para os que se regem unicamente pelo Estatuto - Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 - parece razoável a interpretação. Contudo... aos advogados que se submetem tanto ao Estatuto quanto a Lei Complementar n. 73, de 10 de fevereiro de 1993, sujeitam-se também a outras limitações."(sublinhados nossos)
8. Com efeito, se por um lado não se pode admitir que ato administrativo interpretativo amplie restrições não previstas expressamente em lei, por outro o art. 28, I, da Lei Complementar nº 73/93, ao vedar aos integrantes da Advocacia-Geral da União o exercício da advocacia fora de suas atribuições institucionais, como reconhecido no despacho motivador da orientação normativa em apreço, teria por finalidade: garantir a advocacia pública como atividade profissional exclusiva do Advogado Público, sem a concorrência do exercício da advocacia privada, e garantir a independência, a impessoalidade e a moralidade no exercício da advocacia pública da União. Razões pelas quais a matéria se mostra controversa ao ponto de exigir maior reflexão antes de uma posição definitiva.
9. Chama a atenção nos argumentos abordados pelo Sindicato Requerente, que se o integrante da Advocacia-Geral da União não se encontra no exercício efetivo do cargo, com vínculo estatutário suspenso em razão das licenças ou do afastamento de que presente se trata, como deflui dos artigos 15 e 102 da Lei nº 8.112/90, não há dúvida de que, por não desempenhar suas atribuições institucionais, não pode, nos termos dos artigos 121 e 124 da mesma lei, ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por atos praticados fora do exercício de suas atribuições funcionais. É bom ressaltar que o próprio caput do art. 28 da LC 73/1993 destaca a expressão "...proibições decorrentes do exercício de cargo público...", logo, se a licença constitui interrupção da prestação de serviço, é no mínimo duvidoso que as vedações permaneçam efetivas quando o vínculo se encontra interrompido.
10. Tais elementos não autorizam, por óbvio, o advogado público federal que não se encontre no exercício efetivo do cargo, por força de licença prevista em lei, mas que mantenha vínculo funcional, a exercer a advocacia contra a União e contra entidade a ela vinculada, matéria que, em verdade, já se encontra disciplinada na Lei nº 8.906/94, eis que, em seu art. 30, I, cuida do impedimento dos servidores da administração direta, indireta e fundacional de exercer a advocacia "contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora."
11. A Lei nº 8.906/94, que rege o exercício da atividade da advocacia no território brasileiro, inclusive o praticado por integrantes da Advocacia-Geral da União (art. 3º, § 1º), distingue o impedimento (proibição parcial) da incompatibilidade (proibição total) para o exercício da advocacia ( art. 27). Enquanto esta incide sobre os ocupantes de cargos ou funções cuja natureza não se coaduna, em qualquer circunstância, com o exercício da advocacia (art. 28), o primeiro aplica-se àqueles que apenas não podem advogar contra determinados entes (art. 30).
12. Eis a regra geral, aplicável a todos os que exercem a advocacia no Brasil, inclusive os advogados públicos. A exceção, no que tange aos advogados públicos federais, é o comando contido no art. 28, I, da Lei Complementar nº 73/93, o qual proíbe, quando no exercício pleno do cargo, aos integrantes da Advocacia-Geral da União, a atuação profissional da advocacia fora das atribuições institucionais. Trata-se de proibição cuja clareza não está a merecer interpretações, pois somente aqueles que se encontrem no exercício efetivo de seus cargos e no desempenho de suas atribuições institucionais é que não podem, fora delas, exercer a advocacia como atividade profissional. Aos demais, ou seja, àqueles que não se encontrem no exercício efetivo de seus cargos, impõem-se a aplicação da regra geral como medida de justiça.
13. Não se pode, portanto, admitir com total segurança que, em decorrência de ato administrativo interpretativo, se imponha proibição não prevista pelo legislador, em desatenção ao princípio constitucional da legalidade, até porque a regra de impedimento prevista no art. 30, I, da Lei nº 8.906/94, pelo seu alcance, protege adequadamente o interesse público e atende plenamente às finalidades da proibição contida no art. 28, I, da Lei Complementar nº 73/93.
14. Ressalte-se, ainda, que a Orientação Normativa nº 27/2009 tem o inegável mérito de autorizar o exercício, pelos integrantes da Advocacia-Geral da União, da advocacia em causa própria e de disciplinar advocacia pro bono. Esta última particularmente regulamentada pela Portaria AGU Nº 758, de 09 de junho de 2009, tem-se revelado importante instrumento para a consecução do interesse público.
15. Ante o exposto e estando evidente a divergência de entendimentos no tocante ao mérito da matéria, entendo necessário um maior aprofundamento do tema, sem que a regra proibitiva produza efeitos, razão pela qual deixo, no momento, de acolher o posicionamento externado no Parecer nº 26/2010/DECOR/CGU/AGU e no Despacho do Consultor-Geral da União nº 474/2010, e determino a suspensão temporária da Orientação Normativa nº 27, de 9 de abril de 2009, no que tange à vedação aos membros da Advocacia-Geral da União e de seu órgão vinculado para o exercício da advocacia privada e de figurar como sócio em sociedade de advogados, durante o período de gozo de Licença para Tratar de Interesses Particulares, ou de Licença Incentivada sem Remuneração, permanecendo as demais vedações normativas sobre o tema, até ulterior deliberação.
LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS