Cônjuge que fica no lar também tem direito ao patrimônio
por Meire Lúcia Monteiro
A Previdência Social visa proteger o trabalhador e sua família. Em prol da família, não há hierarquia entre o cônjuge que comparece e produz no emprego e aquele que fica em casa, cuidando da família, inclusive dele. Se ambos prestam um serviço de idêntica magnitude, razão não há para que sejam tratados de modo diferente.
O cônjuge de um trabalhador ou trabalhadora que, por exemplo, aceita a condição de cuidar da família, presta um serviço tão importante quanto o outro cônjuge que, como se diz, “coloca a comida na mesa”.
Embora em pé de igualdade, apenas o que está formalmente empregado — fora do lar — é considerado trabalhador e possui, diretamente, as garantias da lei. O outro, prestando um serviço tão ou mais importante que o primeiro, é tido por dono ou dona-de-casa, não merecendo, objetivamente, qualquer proteção legal. Sob o ponto de vista constitucional, porém, não há diferença alguma há entre eles.
Por essa razão, as conseqüências, funestas ou não, que possam advir das relações trabalhistas, previdenciárias, fiscais, patrimoniais ou assemelhadas, devem ser aquilates na exata proporção dessa simbiose.
As desigualdades e injustiças ocorridas no âmbito das relações conjugais e a violência familiar são incompatíveis com o princípio da igualdade e os mecanismos de proteção social à família, consagrados pela Constituição Federal. O princípio constitucional da igualdade entre os sexos conclama pela equiparação dos direitos previdenciários. Deve ser garantida a proteção previdenciária do cônjuge não ativo que fica no lar, cuida dos filhos e da família — para o casal e para o Estado — deve ter direitos sobre o patrimônio previdenciário do cônjuge economicamente ativo.
O estudo da justiça prospectiva na seguridade social, no Brasil, resume-se praticamente à singular, completa e profunda obra da doutora Miriam de Abreu Machado e Campos, Família no Direito Comparado – Divisão das Expectativas de Aposentadorias entre Cônjuges (Ed. Belo Horizonte, Del Rey). A discussão envolve a problematização, dentre outros, de institutos de direito civil, previdenciário, trabalhista e tributário, bem como no campo do Direito Constitucional e, especialmente, no que se refere aos direitos sociais. Além disso, demanda um profundo mergulho na jurisprudência pátria, bem assim no Direito Comparado.
O ponto de partida é a falta de sintonia entre a igualdade dos sexos na Constituição e a desigualdade no que tange ao tratamento infraconstitucional dado ao cônjuge não ativo. No campo previdenciário, a combinação “tempo e contribuição” é avassaladora para aqueles que estão fora do mercado, que dedicam sua vida ativa aos filhos, aos idosos e aos que precisam de cuidados especiais, todos no âmbito familiar.
Tal distorção, no nosso ordenamento jurídico, sob o ângulo da justiça prospectiva, requer a introdução de mecanismos legislativos que garantam a seguridade social do cônjuge hipossuficiente (não ativo profissionalmente) ou daquele que exerce a função de “cuidador do lar". A pensão alimentícia, a licença maternidade, a aposentadoria da dona de casa, o direito à proteção social na velhice não são garantias suficientes para uma justa compensação.
Busca-se a concretização do princípio constitucional da igualdade entre os sexos (artigo 5º, parágrafo 11, da Constituição Federal) no âmbito conjugal, partindo-se dos fundamentos que norteiam a seguridade social e a proteção á família. Para tanto, um grande passo é a possível incorporação ao direito pátrio do Instituto da Compensação de Amparo, adotado em diversos países do mundo, notadamente na Alemanha.
No Congresso Nacional começam a surgir proposições para atender à proteção social dos "cuidadores de lar", do cônjuge não ativo. Inspirado, sem dúvida, na destacada obra de Miriam de Abreu Machado e Campos. Bom exemplo dessas proposições, no âmbito legislativo, é o projeto do senador Augusto Botelho (PT-RR), a PEC 93/03, que propõe inserir na Constituição dispositivo que permita ao cônjuge que não trabalha fora do lar — ou trabalha parcialmente — a possibilidade de vir a participar das expectativas de aposentadoria constituídas pelo cônjuge que trabalha, após o rompimento do vinculo matrimonial.
Não houve avanço. Existe um longo caminho a percorrer. A justiça prospectiva na seguridade social, na seara da entidade familiar, passa, em primeiro lugar, por políticas públicas que contemplem ações afirmativas contra a discriminação econômica do cônjuge, pela equiparação do trabalho doméstico, pela valorização da entidade familiar e combate às desigualdades e injustiças ocorridas no âmbito das relações conjugais. Clama Justiça Social.
Em resumo, do ponto de vista da concretização do princípio da igualdade entre sexos e da equiparação dos direitos previdenciários, existe uma grande lacuna no atual panorama brasileiro da justiça prospectiva na seguridade social. Faltam mecanismos legislativos que garantam a cobertura desses riscos previdenciários.
Considerando o princípio da igualdade entre os casais, o cônjuge não ativo que fica no lar, cuida dos filhos e da família — para o casal e para o Estado — deve ter direitos sobre o patrimônio previdenciário do cônjuge economicamente ativo.
Revista Consultor Jurídico, 13 de novembro de 2008