A proposta de Reforma Tributária do Governo Federal (PEC 233/08) sem dúvida trará um grande benefício ao sistema econômico brasileiro na medida em que poderá resolver questões pontuais, tais como a simplificação de tributos, a substituição da tributação indireta cumulativa —cobrada em toda a cadeia produtiva e que onera o consumidor final — pela tributação indireta sobre o valor adicionado — cobrada sobre a diferença entre o preço final e o custo de aquisição dos produtos —, a desoneração da folha de salários e a chamada “guerra fiscal” entre os estados.
Por outro lado, há um sério risco de desmantelamento do sistema de Seguridade Social, de vez que, apesar de existir a vinculação de recursos e o repasse para o financiamento das atividades existentes, o sistema perde seu comando constitucional e sua pluralidade de fontes próprias e exclusivas de financiamento. Além disso, os programas sociais terão de competir por recursos da nova base tributária (IVA-F, IR e IPI) o que submeterá a Seguridade Social a interesses políticos e a controles orçamentários por parte do governo federal.
Com a fusão tributária, a extinção da Cofins, da CSLL e do Salário-Educação, e a criação de novos impostos, tais como o Imposto sobre o Valor Adicionado Federal (IVA-F) e o novo IRPJ, haverá maior centralização de recursos no Orçamento Fiscal, que também irá controlar os repasses para as políticas sociais.
Outro efeito importante da reforma é que o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), financiado parcialmente por contribuições sociais a serem extintas, ficará mais fragilizado do ponto de vista de sua defesa política e da administração de seu “déficit”, caso perca mais recursos. Diante disso, podem crescer os defensores da proposta de uma previdência em regime de capitalização financiado apenas por patrões e empregados, sem repasse do Tesouro Nacional, uma vez que a CPMF já foi extinta.
Além da possibilidade da perda dos recursos da Cofins, que será extinta para a criação do IVA-F, e da CSLL, que será incorporada ao novo IRPJ, a Previdência também sofrerá novas perdas com a redução da contribuição dos empregadores de 20% para 14%. Não há nenhum aporte explícito de recursos para cobrir esta redução. Isto vai gerar prejuízos para os cofres do INSS de cerca de R$ 3 bilhões ao ano, trazendo sérias dificuldades para o pagamento das aposentadorias e pensões.
Deve ser ponto consensual que a reforma tributária que o país necessita não pode, de maneira nenhuma, provocar um aumento da carga tributária.
Sobre o IVA-F, é importante assinalar que tal tributo sobre o valor adicionado existe na grande maioria dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entretanto, ele convive com outras receitas fiscais, oriundas de outros tributos, e que financiam o sistema de Seguridade Social desses países. Como no Brasil, a Seguridade Social na OCDE também tem financiamento plural e possui receitas próprias, distintas e exclusivas. Esse exemplo nos permite concluir que a reforma tributária no Brasil não necessita, para ter êxito, retirar a autonomia financeira da Seguridade Social e tampouco submetê-la às barganhas de recursos junto ao Orçamento Fiscal ou às oscilações da política econômica.
A atual Constituição brasileira estabelece alguns princípios de justiça fiscal que devem ser observados pelo legislador. A solidariedade está subjacente a todos os princípios tributários: a isonomia, a universalidade, a capacidade contributiva, a essencialidade; e que a tributação deve ser, preferencialmente, direta, de caráter pessoal e progressivo.
A igualdade e a justiça são as bases para a justiça fiscal que se constitui em um dos pilares da justiça social. Assim, o quantum com que cada indivíduo vai contribuir para as despesas do Estado deve alcançar todos os cidadãos que se acham em idêntica situação jurídica, sem privilégios de indivíduos ou classes sociais. O princípio da isonomia afirma que a lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade.
Na nossa visão, do ponto de vista da Seguridade Social, existem alguns princípios básicos que devem também nortear uma reforma tributária com novo pacto federativo. São eles: fim da Desvinculação das Receitas da União (DRU), tendo em vista as sucessivas superações de metas de superávit primário; desoneração da folha de pagamento dos setores econômicos intensivos em mão-de-obra, com metas de criação de empregos e com compensação de receita pelo aumento da tributação direta (renda e patrimônio); desoneração tributária total sobre a cesta básica; manutenção da pluralidade das fontes de financiamento da Seguridade Social, exclusivamente para os programas de saúde, previdência e assistência social, ou seja, defesa do artigo 195 da Constituição Federal; defesa do orçamento da Seguridade Social como peça autônoma e distinta; reativação do Conselho Nacional de Seguridade Social para garantir o uso exclusivo de suas fontes de financiamento nos programas fins; preservação das atuais regras de financiamento da Previdência Social até que se definam, explicitamente, outras fontes de recursos para evitar novas perdas de receitas; fim das renúncias fiscais previdenciárias concedidas a entidades filantrópicas, setor exportador rural, clubes de futebol e demais segmentos contemplados por legislação especial.
Com mais poder no orçamento fiscal, a Seguridade Social perde seu comando constitucional, sua autonomia orçamentária e a pluralidade de suas fontes exclusivas de financiamento. Isso pode comprometer futuramente a sua sobrevivência. Em consequência do seu enfraquecimento, o orçamento da Seguridade Social tornar-se-á uma peça decorativa e, portanto, sem eficácia material.
Se a Seguridade Social for desmantelada, a Previdência Social também o será. Mais uma vez, os aposentados e pensionistas sofrerão perdas e correrão o risco de não conseguir manter a sua própria sobrevivência.
Finalmente, entendemos que o orçamento da Seguridade Social deve permanecer autônomo em relação ao Orçamento Fiscal, jamais a reboque dele, mesmo porque, historicamente, é a Seguridade Social quem sofre com os frequentes ataques orçamentários, como demonstram os sucessivos superávits obtidos por meio dos desvios das receitas próprias do sistema para o Tesouro Nacional.
A Constituição de 1988 blindou a Seguridade Social ao dotá-la de orçamento próprio e o fez em razão da cobiça que ela desperta nos governantes de plantão. A proposta de reforma tributária do governo anula o dispositivo constitucional, artigo 195, na medida em que o financiamento da Previdência Social (RGPS), da saúde (SUS) e da assistência social (LOAS) passará a depender da disputa de recursos dentro do Orçamento Geral da União e da benevolência dos repasses do Governo.