Correio Braziliense*
A reforma administrativa do governo Bolsonaro dissolve o Estado brasileiro para fazer valer o Estado mínimo, idealizado pelo mercado financeiro. Na prática, a PEC 32/2020 faz “passar a boiada” em todas as áreas de regulação e de oferta de serviços públicos para favorecer interesses privados. É inaceitável que a proposta siga a cartilha liberal do ministro da Economia Paulo Guedes e exclua o Estado do seu papel de atender à sociedade nos mais diversos setores, como educação, saúde, meio ambiente, direitos humanos e fiscalização de bens públicos.
O texto parte de premissas financistas equivocadas, como a ideia de que a máquina pública é pesada, entrega pouco e gasta muito. Esses argumentos foram elaborados por quem desconhece o funcionamento do setor público. Basta um exemplo para combater essa visão. Em meio às quase 480 mil mortes por coronavírus, é nítido que o Sistema Único de Saúde (SUS) salvou o país de uma catástrofe ainda maior.
A PEC faz o país retroceder ao cenário anterior à Constituição de 1988. Vale lembrar que essa Carta desenhou o Estado democrático brasileiro, visando a preservar e garantir direitos fundamentais e sociais. O regramento criado se baseou nos princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência. A reforma administrativa rompe com esse modelo e ameaça a organização democrática. O discurso do governo Bolsonaro é falacioso, porque a proposta não aumenta a eficiência do Estado nem acaba com privilégios.
O texto foca na precarização dos servidores públicos e deixa de fora carreiras onde há salários acima do teto constitucional, como Legislativo e Judiciário. Na verdade, é criado um instrumento de cooperação entre a Administração Pública e órgãos e entidades públicos e privados. O dispositivo autoriza a contratação de empresas privadas, ONGs, entre outros, para realizarem o trabalho que hoje é desempenhado somente por servidores públicos. Se o público se tornar subserviente ao privado, naturalmente, o foco será o lucro e não a prestação de serviços de qualidade, o que, pode levar a uma deterioração.
Os brasileiros perdem muito com a privatização do setor público. Infelizmente, não é novidade que o povo sempre paga a conta: tarifas mais caras, desabastecimento e queda na qualidade dos serviços. O apagão no Amapá em 2020 demonstra os prejuízos trazidos pela desestatização. A Gemini Energy, que atua nos 14 municípios amapaenses atingidos pelo problema, não fez os investimentos necessários. Faltaram ainda equipamentos. A empresa privada não tinha um transformador reserva e foi socorrida pela Eletrobras, estatal que o presidente Jair Bolsonaro quer vender.
A relativização da estabilidade para a maioria dos servidores também é temerária. Afinal, existe uma memória do serviço público sobre problemas e soluções, que poderá ser prejudicada. Há funcionários de carreira estratégicos para o funcionamento dos órgãos públicos, que sabem como superar rapidamente gargalos e assegurar a assistência. É por meio da estabilidade que se garante, minimamente, a continuidade de políticas públicas, independentemente se o programa do governo é de direita ou de esquerda.
O principal afetado com a reforma não será o servidor, mas, sim, o povo brasileiro, principalmente, a população mais vulnerável. É intolerável a diminuição da presença do Estado na vida das pessoas mais pobres. Com a destruição das bases estatais, é impossível construir uma sociedade livre, justa e solidária, como estabelece a Constituição Federal. A reforma não enfrenta, portanto, os reais problemas do Estado brasileiro, como a falta de agilidade na tomada de decisões, a fragilidade dos sistemas de avaliação e desempenho de servidores, a falta de incentivo à profissionalização e também a utilização de cargos públicos para atividades de caráter privado.
Na semana passada, houve a instalação da Comissão Especial que analisará o mérito da PEC 32 na Câmara dos Deputados. Nós, da oposição, fizemos amplas manifestações contrárias ao avanço da reforma. A nossa prioridade é suspender a tramitação da matéria. A mobilização popular é essencial para vencermos este embate. À frente da Bancada do PCdoB na Câmara, estaremos ainda mais articulados no colegiado e no plenário para barrar a aprovação dessa reforma tão prejudicial ao Brasil.
*Texto do deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE).