Em artigo publicado nesta quinta-feira, 19 de novembro, no portal Jota, os advogados Everton Leite Didoné e Ítalo Weslley Veríssimo trazem reflexões acerca do que o ministro Paulo Guedes chama de “indústria de precatórios” à qual o titular da Economia tenta atribuir a pecha de vilã das contas públicas.
Tal afirmação, argumentam os especialistas, “passa longe da verdade e apenas muda o foco do verdadeiro problema”, uma vez que esconde o fato de ser o tempo de duração dos processos, devido à prática de “tudo impugnar” das procuradorias públicas, o responsável pelo aumento no “custo precatório”.
Ainda segundo os autores, o advento da Lei nº 14.057/2020 pode ser um importante passo para uma ruptura neste sentido, uma vez que “facilitou e regulamentou a realização de acordos terminativos de litígios diretamente com a União”. A respeito da matéria e suas repercussões sobre os associados, a presidente da ANPPREV, Thelma Goulart, publicou nota em 15 de setembro, relembre aqui.
Confira abaixo a íntegra do artigo dos advogados Everton Leite Didoné e Ítalo Weslley Veríssimo:
Condenaram um inocente: o precatório
Em recente pronunciamento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, acusou os precatórios de ser um dos vilões das despesas públicas no orçamento federal. Nas palavras do ministro: “Há uma indústria de precatórios no Brasil, que saiu de R$ 12 bilhões no governo Dilma, R$ 25 bilhões no governo Temer e, agora, chega a R$ 54 bilhões em 2021”.
Tal afirmação passa longe da verdade e apenas muda o foco do verdadeiro problema, afinal, o ministro deixou de mencionar que os precatórios surgem após sentenças judiciais que, com o trânsito em julgado (sem possibilidade de recursos), findam por reconhecer a existência de débitos do Estado, quase sempre decorrentes de descumprimentos legais cometidos pelo próprio Ente Público.
A declaração que o ministro Paulo Guedes fez representa enorme omissão quanto aos verdadeiros aumentos no “custo precatório”, visto que condenou os precatórios como vilões do orçamento público federal, analisando apenas pelo prisma do aumento quantitativo, quando, na verdade, deveria analisar: (i) a duração dos processos da União Federal; e (ii) o reflexo desse tempo na quantificação dos precatórios (correção monetária e juros de mora).
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou, em 2019, que o tempo médio de duração de um Processo de Execução na Justiça Federal é de oito anos, sem considerar a fase de conhecimento que, normalmente, dura de três a cinco anos. Ou seja, desde a propositura até a inscrição do Precatório, incidirão entre 11 e 13 anos de correção monetária e juros de mora.
Em resumo, significa dizer que: se a União devia, em 2008, R$ 100 mil, em 2020, esse valor é cerca de R$ 338 mil, em razão da atualização da moeda e da mora, vejamos:
Chega-se, assim, ao verdadeiro culpado do aumento quantitativo no orçamento dos precatórios federais: o tempo de duração do processo.
Situação evidenciada, inclusive, por meio da constatação da antiquada prática das procuradorias públicas de “tudo impugnar”, inclusive em processos com matéria sedimentada em prol do particular, muitas vezes, servidores públicos e aposentados, utilizando-se de uma infinidade de recursos para postergar a resolução (pagamento) das demandas judiciais de que é alvo.
Tanto é que buscando maneiras de evitar a construção dessa “bolha financeira” e, também, modernizar a filosofia de trabalho dos procuradores públicos, foi promulgada a Lei nº 14.057/2020 que, em suma, facilitou e regulamentou a realização de acordos terminativos de litígios diretamente com a União, envolvendo tanto precatórios quanto processos em trâmite.
Espera-se que, com as novas normas, altere-se a postura de atuação das procuradorias públicas e, dessa forma, agilize-se a conclusão dos processos judiciais. A Lei nº 14.057/2020 é apenas uma ferramenta, mas a melhor forma de reduzir o chamado “custo precatório” é reduzindo a duração do processo para, com isso, diminuir o período de incidência da correção monetária e juros de mora. Tal situação, além de legislativa, deve passar por uma mudança na gestão dos processos judiciais, por parte da fazenda pública.
Portanto, ao contrário do que afirmou o ministro da Economia, não há uma “indústria” de precatórios no Brasil. Temos, na verdade, uma prática antiquada de gerir processos judiciais com o ideal de postergar seus pagamentos o máximo possível, criando um efeito bola de neve com futuros precatórios que mais cedo ou mais tarde precisarão ser pagos.
Espera-se que o advento da Lei nº 14.057/2020 possibilite, para o Poder Público, o início de uma profunda e necessária mudança na postura dos seus representantes judiciais, no sentido de construir uma mentalidade de buscar solucionar as demandas judiciais mais do que postergá-las, ao passo que, para os credores, represente a possibilidade de ter uma perspectiva concreta de recebimento dos valores discutidos e perseguidos quase sempre ao longo de muitos anos.