Valor Econômico
Especialistas em contas públicas veem mais aspectos negativos do que positivos no anúncio de ontem sobre o entendimento dos presidentes da Câmara, do Senado e o ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre precatórios. Interlocutores ouvidos pelo Valor apontam que de certa forma pode estar se preparando uma nova modalidade de pedalada fiscal e ensejando o risco de acúmulo de passivos. Mas a possibilidade de encontro de contas é vista com bons olhos, ainda que seu alcance aparentemente possa ser menor do que o imaginado pelas autoridades.
“Achei péssimo. É um remendo no arcabouço fiscal, empurra o problema para 2023, não afasta o risco político-fiscal durante a tramitação e (em tese) abre espaço de R$ 50 bilhões para não apenas turbinar o bolsa como atender arranjos políticos questionáveis a exemplo da reedição das emendas de relator (RP9)”, afirmou o economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).
De acordo com o especialista, a ideia de se fazer compensações entre os entes e também com o setor privado como forma de reduzir o estoque de precatórios é até uma medida interessante. “Mas é absolutamente inoportuno e inconveniente tratar desse tema neste momento via PEC. Há saída dentro das quatro linhas”, salientou.
Leonardo Ribeiro, analista do Senado e especialista em contas públicas, aponta que a proposta de hoje é ruim porque cria uma dívida fora das estatísticas fiscais e distorce o resultado primário. “É a constitucionalização das pedaladas fiscais”, disse, em uma menção às operações realizadas no governo Dilma Rousseff no qual se antecipavam receitas e se adiavam despesas.
Para Ribeiro, a ideia de se facilitar compensação é boa e poderia inclusive envolver o estoque da dívida ativa (aquelas dívidas decorrentes de tributos não pagos, em geral).
“A compensação deve se dar mediante acordo, respeitando as vontades dos dois lados. Sendo assim, não é possível saber qual será o resultado. Vejo elevado risco fiscal na forma de acumulação de dívidas e novos passivos”, salienta o especialista.
O diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, afirma que a ideia colocada na mesa ontem já estava no radar e não é uma boa alternativa. “A limitação do pagamento no ano que vem abrirá espaço relevante no teto de gastos, pondo em risco a credibilidade da política fiscal, aumentando o risco, os juros e a dívida pública”, diz Salto.
Ex-secretário de Política Econômica do antigo Ministério da Fazenda e coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre, Manoel Pires aponta que o anúncio de ontem enseja mais perguntas do que respostas. Para ele, a proposta tira parte dos precatórios do teto, mas só permite o pagamento mediante compensações, o que levanta uma série de que questões operacionais sobre como isso será executado e também sobre o alcance, já que em grande medida dependerá dos credores quererem fazer esse encontro de contas.
Ele aponta para o risco de se acumular um passivo em bola de neve nos próximos anos, com o volume que pode ficar sem ser pago em 2023 e também pela limitação que será imposta pela definição de um teto. “Ainda está muito confuso, é muito incipiente”, diz ele.