Jota
O Projeto de Lei nº 10.887/2018, que altera a Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), foi intensamente debatido nos meios de comunicação e acadêmico nos últimos dias. Questões relacionadas às tipificações – sobretudo a redação do art. 11 sobre o ato que viola princípios –, à dosimetria de sanções, aos procedimentos cautelares e aos prazos prescricionais, foram temas centrais.
Porém, há outros dispositivos do PL aprovado na Câmara que, embora menos comentados, merecem atenção. É o caso do § 3, do art. 17-B, que dispõe que nos acordos de não persecução cível, “para fins de apuração do valor do dano [ao erário] a ser ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas competente, para que se manifeste com indicação de parâmetros, no prazo de 90 (noventa) dias“.
Assim, eventual solução consensual entre o Ministério Público e o acusado ou investigado, além de depender da oitiva da entidade lesada, da autoridade superior competente e da homologação judicial, passa a depender da manifestação de tribunal de contas (TC).
O dispositivo não estava nem no projeto original, de autoria do Deputado Roberto de Lucena, nem no primeiro substitutivo apresentado pelo Deputado Carlos Zarattini no final de 2020. Ele apareceu pela primeira vez no segundo substitutivo, dias antes da discussão e aprovação na Câmara, em junho deste ano. Embora se trate de uma inovação, não há qualquer justificativa no voto do relator do PL. Tampouco o acréscimo decorreu de emenda de parlamentar.
Ao conferir nova competência aos TCs, o dispositivo merece reflexão. Sobretudo, porque o Tribunal de Contas da União, em especial, sempre se manifestou no sentido de que não cabe a ele fazer qualquer juízo de improbidade, como já expusemos nessa coluna.
Para além disso, o novo dispositivo traz pelo menos três incertezas para as soluções consensuais na improbidade administrativa.
A primeira, sobre a vinculação das partes e do Judiciário à interpretação da ocorrência ou não do dano ao erário pelo TC. Nem sempre o ato de improbidade enseja dano – a desclassificação das condutas do art. 10 para o art. 11 é muito comum. Nesse caso, se o TC entender que houve dano, mas as partes que negociaram não, qual leitura prevalece?
A segunda, ligada à anterior, é quão vinculante é o cálculo do TC.
Nas ações de improbidade não são poucas as divergências sobre como calcular o dano. Tendo as partes consentido quanto ao valor, mas tendo o TC outro parâmetro, qual cálculo prevalece?
A terceira incerteza se refere ao prazo de 90 dias. O prazo não é pequeno, mas pode ser insuficiente considerando as demais atribuições dos TCs, cujos casos podem levar anos para serem julgados, como já reconheceu o TCU. Se o TC não cumprir o prazo, as partes devem aguardar até quando?
A depender das respostas, as soluções consensuais na improbidade administrativa podem ser dificultadas. A celeridade pode ser comprometida. Espera-se, portanto, que o Senado dê a atenção necessária ao § 3º, do art. 17-A, do PL 10.887/2018.