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NOVO AGU DIZ QUE STF DEVE OUVIR O POVO, MAS NÃO PODE SUBSTITUIR OS POLÍTICOS


O novo advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Junior, diz acreditar que o Supremo Tribunal Federal deve levar a população em conta ao decidir uma questão. Porém, os ministros não devem formular políticas públicas em substituição às estabelecidas pelo Executivo ou Legislativo. O entendimento foi exposto pelo professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP no período em que foi colunista da ConJur.
  29/04/2020



O novo advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Junior, diz acreditar que o Supremo Tribunal Federal deve levar a população em conta ao decidir uma questão. Porém, os ministros não devem formular políticas públicas em substituição às estabelecidas pelo Executivo ou Legislativo. O entendimento foi exposto pelo professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP no período em que foi colunista da ConJur.

Em seus textos, Amaral Junior defende que o STF tenha uma composição variada, com magistrados, advogados, integrantes do Ministério Público e políticos. Com isso, os julgamentos da corte tornam-se mais abrangentes, pois incorporam distintos pontos de vista. No entanto, o constitucionalista é favorável a sabatinas mais rigorosas para a aprovação de um ministro indicado pelo presidente da República.

O novo AGU não é entusiasta de julgamentos com base em princípios constitucionais amplos, como o democrático, o da separação dos poderes, o da liberdade de expressão e o da igualdade. A prática, a seu ver, reforça a politização da Justiça.

Além disso, o docente da USP aponta que a modulação de efeitos deve ser usada apenas para dar uma sobrevida a uma norma declarada inconstitucional. A técnica, em sua opinião, não pode ser manejada para remodelar leis ou criar novas regras.

A sugestão de Amaral Junior para reduzir o fluxo de processos do STF e fazer a corte se concentrar nos problemas sociais mais importantes é expandir a repercussão geral para todo e qualquer processo da competência originária ou recursal da corte. Assim, o Supremo poderia escolher que matérias merecerão ou não a sua atenção.

Conheça algumas das ideias de José Levi Mello do Amaral Junior:

Constituição e sociedade
Discorda da frase "A Constituição é o que a Suprema Corte diz que é", do ex-presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos Charles Evans Hughes. Para ele, as instituições devem se amoldar ao constitucionalismo democrático, aquele que vem do povo.

Assim, o professor da USP disse que o ministro do STF Luís Roberto Barroso estava "corretíssimo" quando, em 2 de setembro de 2013, ao reconhecer haver periculum in mora para deferir liminar no Mandado de Segurança 32.326, também tomou em consideração "a indignação cívica".

Na ocasião, Barroso suspendeu os efeitos da decisão da Câmara que manteve o mandato do deputado federal Natan Donadon (RO), condenado pelos crimes de peculato e formação de quadrilha. Isso porque o período de prisão a ser cumprido em regime fechado seria objetivamente incompatível com o exercício do mandato parlamentar.

"Quando, em uma democracia, a Constituição é retirada do povo, sonegada ao povo, como se ela não fosse dele (povo), só resta a nós, cidadãos destituídos da nossa Constituição, fazer análise (constitucional) para, talvez, convencermo-nos do impensável: a Constituição não é nossa, mas de alguns poucos em quem sequer votamos. O perigo é alguém acabar convencido da inexistência do parágrafo único do artigo 1º da Constituição ou de que dele não consta a fórmula 'representantes eleitos'", disse Amaral Junior.

No entanto, o professor, em texto escrito com seu colega de universidade Carlos Horbach, ressaltou a importância de magistrados agirem como árbitros, não jogadores, papel que cabe aos políticos.

"Da mesma forma como nenhum torcedor deseja ver um gol feito pelo árbitro da partida (hipótese risível e que se afigura absolutamente inconcebível), nenhum cidadão deseja — ou deveria em sã consciência desejar — ver uma política pública ser concebida por um juiz ou tribunal em detrimento das políticas públicas concebidas pelos agentes eleitos.

"Da mesma forma como no futebol o árbitro deve limitar-se a assegurar o exato cumprimento das regras do jogo, o Poder Judiciário também deve limitar-se a assegurar o exato cumprimento da Constituição e das leis. Não é sua tarefa elaborar normas constitucionais e legais que porventura repute melhores que aquelas estabelecidas pelo constituinte ou pelo legislador", argumentaram os docentes.

Eles repudiaram os neoconstitucionalistas, entusiastas de decisões fundamentadas em princípios, não regras, que minimizam o papel de agentes eleitos e transferem o protagonismo na formulação de políticas públicas a juízes, promotores, procuradores, advogados.

Composição do STF
A Constituição rege o jogo político. Logo, o órgão que protege a Constituição, assegura o equilíbrio político-institucional do país. Por essa razão, deve ser composto por pessoas "de diferentes sensibilidades", entende Amaral Junior.

Ele elogiou a tradição do Supremo de ter, em sua composição, magistrados, advogados, integrantes do MP, professores e políticos. "Essas múltiplas experiências que se fazem presentes no STF ao longo do tempo trazem diferentes sensibilidades à interpretação da Constituição, o que é fundamental em se tratando de documento político complexo, que enfeixa os mais elevados valores da sociedade."

O constitucionalista ressaltou a importância de se ter políticos, especialmente parlamentares, no STF. "Isso porque são habilitados a trazer aporte de sensibilidade política acerca das questões constitucionais, bem como realizar, por meio de testemunho direto, interpretações constitucionais históricas, em especial no que se refere aos trabalhos parlamentares", avaliou, citando as atuações de ministros como Paulo Brossard e Nelson Jobim.

Na visão do novo advogado-geral da União, a forma de indicação dos integrantes do STF — feita pelo presidente da República e sujeita à sabatina do Senado — é boa, pois deriva de um encontro de vontade entre Executivo e Legislativo. Contudo, poderia ser aperfeiçoada, analisou em entrevista concedida à ConJur em 2007.

"A sabatina tinha de ser o mais próximo possível de um grande debate nacional, que é o que os Estados Unidos fazem. Ela tinha de ser exaustiva, de vários dias, sobre temas pessoais e acadêmicos do indicado. A sociedade tinha de ser mobilizada para discutir o candidato. Ainda que a população não note, um ministro do Supremo tem uma influência tremenda na vida das pessoas. Eu também aumentaria a maioria necessária para aprovação no Senado. Hoje, vale a maioria absoluta [41 votos]. Deveria ser dois terços, como na Alemanha. Isso obriga os grupos parlamentares a ter um consenso maior e aumenta a chance de indicar um técnico distante da política partidária."

Princípios e modulação
Amaral Junior não é favorável a julgamentos baseados em princípios abstratos, o republicano, o democrático, o da separação dos poderes, o da liberdade de expressão e, em especial, o da igualdade. Um caso que foi decido dessa forma foi a declaração de inconstitucionalidade das doações eleitorais por empresas, disse o professor.

"Ora, não há dúvida: o princípio republicano é essencial à Constituição de 1988 e, por isso mesmo, é indisponível ao legislador. Porém, dele não deriva um determinado modelo de financiamento de campanhas eleitorais. Tanto isso é verdade que o constituinte não se ocupou do assunto de modo explícito e detido."

Esse tipo de decisão reforça a politização da Justiça, alertou o docente. E gera insegurança jurídica, em razão da inversão de posições jurisprudenciais consolidadas. Também tem um problema de legitimidade.

"Por isso mesmo, inconstitucionalidades não podem ser fruto de geração espontânea, mas, sim, devem encontrar parâmetro claro e explícito na Constituição. Do contrário, o que se tem é decisionismo e voluntarismo sem limite ou parâmetro que não seja, simplesmente, a opinião individual, subjetiva, do julgador", afirmou.

O novo AGU também argumentou que a modulação deve ser usada apenas para estabelecer um período em que uma norma declarada inconstitucional deve continuar a valer. Em sua opinião, não se pode, em modulação, refazer leis ou criar regras. Essa delimitação é essencial para respeitar o papel do Legislativo e não banalizar a declaração de inconstitucionalidade, ponderou.

Repercussão geral
A expansão da repercussão geral melhoraria o funcionamento do STF, opinou o novo advogado-geral da União. Ele defendeu que todos processos do Supremo tenham repercussão geral, o que permitiria à corte escolher os casos que julgaria.

"Isso porque é necessário que o Supremo tenha mecanismo que lhe permita disciplinar e racionalizar o respectivo fluxo processual e decisório, concentrando-se na solução dos problemas mais importantes que preocupam a sociedade brasileira", sustentou.

Esse juízo de escolha poderia deixar de ser aplicado a algumas categorias processuais originárias do STF, como ações penais de pessoas com foro por prerrogativa de função. Ainda assim, um mandado de segurança da competência originária poderia ficar sujeito ao juízo de escolha, ressaltou: o seu não julgamento implicaria a manutenção do ato impugnado.

Desconhecimento do papel do STF
Em entrevista concedida à ConJur em 2007, após a primeira fase do julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, José Levi Mello do Amaral Junior disse que os brasileiros não entendem o papel do STF.

Após dizer que o Supremo sempre aparecia com boa imagem para a população, o professor foi questionado do porquê de muitos dizerem que a polícia e o MP prendem criminosos, mas o STF manda soltar. 

"Dizer isso é não compreender o papel da instituição Supremo Tribunal Federal na própria democracia. Ele garante as liberdades de cada um. Vou, de novo, citar uma frase de Aliomar Baleeiro: 'O Supremo Tribunal Federal, queira ou não queira, está sempre certo'. É o STF quem dá a última palavra e a ele cabe até errar por último", respondeu.

Na época, o constitucionalista avaliou que esse desconhecimento da população sobre a função do Supremo se devia à brevidade da democracia no Brasil.  

"A democracia no Brasil não tem nem 20 anos [irá fazer 32 anos em outubro de 2020]. É muito nova. Antes de 1988, as pessoas não estavam acostumadas a ter a sua liberdade garantida. É preciso entender que, como uma instituição humana, o Supremo pode errar ao soltar determinado sujeito. Mas é melhor esse risco do que não ter para onde correr."

Fonte/Autor: https://www.conjur.com.br/2020-abr-28/agu-stf-ouvir-povo-nao-substituir-politicos2.




    

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