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Entrevista

Super receita e a expropriação do patrimônio do INSS




"A unificação do caixa da Previdência e da Receita Federal submete os orçamentos fiscal e da seguridade social ao domínio completo do Ministério da Fazenda, o que significa menos autonomia para as políticas sociais."

MEIRE LÚCIA GOMES MONTEIRO é Procuradora Federal, tendo exercido os cargos de Procuradora-Geral do INSS e de Presidente do Conselho de Recursos da Previdência Social.

Pós-graduada em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas e em Criminologia e Administração Penitenciária pela Universidade Federal do Ceará, também cursou Altos Estudos em Seguridade Social, com especialização em Gestão de Seguridade Social, em programa da Organização Ibero-Americana de Seguridade Social – Madrid, Espanha.

Atualmente, preside a Associação Nacional dos Procuradores da Previdência Social (ANPREV), que reúne 2.500 profissionais vinculados a esse segmento da advocacia pública. Às vésperas de um novo congresso, a realizar-se em Campos do Jordão (SP), a presidente da entidade se apressa em questionar a criação da "Super Receita", que, na sua avaliação, expropria recursos do sistema previdenciário.

Em entrevista exclusiva para a Consulex1, aborda ainda a valorização dos procuradores e a necessidade de se implantar mecanismos de mediação de conflitos, para desafogar as Varas Especiais Federais, que, no seu modo de ver, não conseguem atender a demanda.

Revista Jurídica CONSULEX – Recentemente, foi criada a Receita Federal do Brasil, também chamada de "Super Receita". Qual o diagnóstico que a ANPREV faz dessa nova sistemática de recuperação de créditos?

Procuradora Federal MEIRE LÚCIA GOMES MONTEIRO – Infelizmente, a criação da "Super Receita", alteração que envolve expressivo aspecto patrimonial, não foi precedida de amplo debate com toda a sociedade. Podemos garantir que a adoção de medida tão ampla e de extensa repercussão política financeira e social não será benéfica para a Previdência Social, uma vez que a unificação do caixa da Previdência e da Receita Federal sujeita as contribuições previdenciárias à DRU, transfere parte do patrimônio do INSS para o Ministério da Fazenda, fere a Lei de Responsabilidade Fiscal e submete os orçamentos fiscal e da seguridade social ao domínio completo do Ministério da Fazenda, o que significa menos autonomia para as políticas sociais.

CONSULEX – Sob o aspecto jurídico-formal, é constitucional a fusão dos fundos previdenciários e do patrimônio do INSS com o caixa da União, admitindo-se que os recursos da Previdência passem a ser arrecadados, geridos e administrados pela própria União?

MEIRE LÚCIA – Com toda segurança, podemos afirmar que a medida é inconstitucional, pois o regime que a Constituição Federal de 1988 atribuiu às contribuições previdenciárias, vinculando a sua destinação, foi invalidado com a fusão dos fiscos federais. Admitir que a União cobre, arrecade e fiscalize as contribuições destinadas ao custeio da seguridade social, para depois repassar os recursos pelo mecanismo das transferências, é transformar as contribuições em impostos com destinação, expressamente vedados.

CONSULEX – Sob o aspecto social, quais as conseqüências futuras para os contribuintes e beneficiários da Previdência Social?

MEIRE LÚCIA – Abriu-se um flanco para a sociedade brasileira, verdadeira titular do patrimônio da Previdência Social, pois o espírito da Carta Magna de 1988, que objetivou resguardar o caixa da seguridade social, em especial o da Previdência Social, está à mercê das especulações financeiras.

Ao transferir o patrimônio do INSS para a União e determinar que a arrecadação, a fiscalização e o lançamento das contribuições incidentes sobre os salários e a folha de pagamento sejam atribuição do Ministério da Fazenda, o produto da arrecadação previdenciária foi convertido em receita da União, passível de desvios de finalidade, nos termos das autorizações contidas no art. 76 do ADCT. Temos, portanto, que o INSS sofreu uma expropriação de seu patrimônio, fato que repercutirá no pagamento dos benefícios previdenciários.

CONSULEX – Além das conseqüências que já foram mencionadas, a ANPREV considera que a fusão dos fiscos federais possa ser maléfica à continuidade dos programas sociais ?

MEIRE LÚCIA – Vamos pontuar alguns aspectos relevantes: a começar que a proposta de caixa único, a partir da criação da chamada "Super Receita", não garante aumento da arrecadação, ao contrário, permite ampliar os desvios de recursos da seguridade social (saúde, previdência e assistência social) para fazer frente ao total de despesas para o ajuste fiscal. Desta forma, entendemos que é temerária, pois compromete os programas sociais, principalmente nas áreas da saúde, da previdência e da assistência social, bem como o maior programa de distribuição de renda do país, realizado por meio do pagamento de benefícios para 23,1 milhões de brasileiros. Além disso, compromete os recursos da contribuição social do salário-educação e confronta dispositivos que garantem direitos legítimos dos trabalhadores, sejam eles rurais, urbanos ou do serviço público. Coloca a Previdência Social à mercê dos governos sem a intervenção dos trabalhadores, dos empregadores e dos aposentados. Sob esse enfoque, acreditamos, sim, que será maléfica para a continuidade ou expansão dos programas sociais.

CONSULEX – Haverá repercussão na atividade dos servidores que atuam na linha de concessão de benefícios previdenciários ?

MEIRE LÚCIA – Tememos que a independência que se estabeleceu entre custeio e pagamento de benefícios construa uma cultura de descompromisso funcional, ou seja, o servidor que atua na linha de concessão não mais associará a concessão com o custeio daquele beneficio. E é um raciocínio lógico, pois não mais existe nexo de causalidade entre arrecadação e pagamento, dado que os caixas são únicos.

CONSULEX – A fusão parece irreversível. Qual a sugestão da ANPREV para a manutenção da finalidade do custeio previdenciário?

MEIRE LÚCIA – Definições legais claras e transparentes quanto à destinação do produto da arrecadação das contribuições previdenciárias. Fiscalização pelos órgãos competentes. Adequação dessa nova sistemática de recuperação de créditos à experiência acumulada em décadas pelos procuradores federais do INSS.

Se unir os caixas foi tido como prioridade para o Governo, sob a bandeira da otimização da cobrança de créditos, que se estabeleça como prioridade a manutenção do patrimônio do trabalhador brasileiro, livre e desembaraçado de compromissos outros que não seja o desenhado na Constituição Federal.

CONSULEX – A Associação Nacional dos Procuradores da Previdência
(ANPREV) completa 15 anos. Qual tem sido, a propósito, o papel da entidade nesse período?

MEIRE LÚCIA – A ANPREV, dentre seus objetivos, é voltada à defesa da inclusão previdenciária e, também, a assegurar o direito do trabalhador.

A Associação, ao longo de seus 15 anos de existência, patrocinou vários eventos em prol da Previdência Social e do patrimônio dos trabalhadores, como a realização de 13 congressos e inúmeros seminários em nível nacional e internacional, contando com a colaboração de parceiros importantes, dentre os quais podemos destacar: MPAS, INSS, DATAPREV, OAB, Organização Ibero-Americana de Seguridade Social (OISS) e a ONU. Este ano vamos realizar, no período de 22 a 26 de setembro, o XIV
Conpprev, cujo tema é Advocacia Pública. Inclusão Previdenciária e Cidadania, em Campos de Jordão (SP).

CONSULEX – Pela primeira vez um Ministro-Chefe da AGU atende reivindicação antiga dos procuradores
federais – e especialmente da ANPPREV – de ter um representante no Conselho Superior da Advocacia Geral da União. É uma grande conquista?

MEIRE LÚCIA – Sem dúvida. A Procuradoria Geral Federal foi convidada a integrar o Conselho Superior da AGU apenas com direito a voz, mas o fato de já integrar, com direito a voz, é sem dúvida uma grande conquista da carreira, porque é no Conselho que se discutem os rumos que a AGU deve tomar.

O Ministro José Antônio Dias Tóffoli acatou legítima reivindicação dos procuradores federais de garantir assento no Conselho Superior. Com a medida, o Advogado-Geral corrige uma lacuna de representação que persistia no Conselho Superior até então, por contemplar apenas duas carreiras que integram a AGU: Advogados da União e Procuradores da Fazenda Nacional.

CONSULEX – Como a Previdência Social está se aparelhando para fazer frente à interiorização da Justiça e à implantação do processo virtual?

MEIRE LÚCIA – Nos últimos anos, a Justiça Federal deu um salto de qualidade no atendimento ao cidadão, aumentando sobremaneira o número de Varas Federais, inclusive os Juizados Especiais. Ocorre que o volume de processos é muito grande. Tomemos como exemplo a Vara do Juizado Especial Federal de Teresina (PI), que acumula 80.000 (oitenta mil) processos, fato que lhe alçou à condição de maior Vara Federal em volume de feitos, com número de juízes e estrutura administrativa desproporcional à existente na Procuradoria do INSS no Estado.

CONSULEX – E o que fazer?

MEIRE LÚCIA – Uma alternativa é a criação de câmara de mediação para diminuir o volume de processos nos Juizados Especiais.

A ANPPREV está empenhada na implementação de câmaras de mediação, por serem fundamentais nas ações estratégicas, considerando-se que a redução do número de processos nos Juizados Especiais Federais contribuirá para a melhoria das condições de trabalho dos procuradores que lá atuam e do atendimento para o cidadão.

É importante observar que uma boa defesa da Previdência significa, ao fim, a defesa do próprio empregado, haja vista que o patrimônio da Previdência pertence ao trabalhador, e não ao Estado.

CONSULEX – Quer dizer, então, que o trabalho do procurador está sendo prejudicado?

MEIRE LÚCIA – Sem dúvida. Pela própria política administrativa nos últimos anos, houve uma verdadeira corrida em busca da aposentadoria, para garantir direitos que estavam sendo modificados. Tal fato trouxe uma quebra na memória do órgão, na transferência de experiências adquiridas arduamente ao longo do tempo. Ultimamente, muitos concursos foram feitos para suprir a deficiência de pessoal, porém, lamentavelmente, pela remuneração não condizente com a importância do cargo, a evasão se transformou em um grande problema para a Administração.

CONSULEX – E a implantação do subsídio não sanou essa situação dos procuradores?

MEIRE LÚCIA – O Ministro-Chefe da AGU, Dr. José Antônio Dias Tóffoli, está empenhado em resolver a questão. A ANPPREV tem feito diversas reuniões com os altos escalões da AGU, buscando alternativas para fazer retornar os advogados públicos ao patamar merecido.

A Administração deve ter em mente os resultados obtidos, como ocorreu na ação judicial brilhantemente defendida perante o STF, quando o INSS obteve vitória que significou uma economia de bilhões de reais aos cofres públicos. Nos últimos quatro anos, a Advocacia Pública carreou para os cofres da União cerca R$ 100 bilhões.

 

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