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ENTREVISTA

“O governo age explicitamente para representar e agradar apenas uns poucos grupos sociais já privilegiados”

  29/11/2021



Todos pelo serviço público

José Celso Cardoso Júnior, pesquisador no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e presidente da Afipea Sindical (Associação dos Servidores do Ipea).

A PEC 32 – Proposta de Emenda à Constituição que traz alterações para a Administração Pública – quer mexer também na estrutura do estado brasileiro. Esse processo de alteração da estrutura econômica e política em uma sociedade capitalista é conhecido por financeirização usurária. Segundo estudos do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreira Típicas de Estado) , a financeirização usurária da economia brasileira estaria minando a democracia ao suprimir direitos sociais. Pode nos explicar como isso acontece?

A democracia é uma forma de organização e compartilhamento do poder político e das decisões que envolvem uma determinada população sobre determinado espaço territorial. Ela nasceu e se desenvolveu na passagem do séc. XIX ao XX e neste último se consolidou como um sistema eficaz, desejável e dominante no mundo. Mas, vem perdendo força e legitimidade, justamente desde os anos 1990 quando a globalização econômica e a financeirização da riqueza (e das próprias finanças públicas) cresceram e se consolidaram – instavelmente – como formas dominantes de organização da economia mundo afora e no Brasil.

Um regime democrático, para funcionar bem, exige que o maior contingente possível de sua população possa participar da escolha dos líderes (Poder Executivo) e dos seus representantes (Poder Legislativo), bem como dos processos decisórios cruciais da nação. Uma vez que a “vontade da maioria” – expressa tanto do ponto de vista eleitoral-representativo como do ponto de vista social-popular – assuma o controle (temporário, em função da alternância de poder prevista pelos mandatos fixos dos governantes) do Estado, é de supor que as realizações do governo e representantes eleitos buscarão atender aos anseios e necessidades daquela maioria.

É, portanto, a capacidade dos governos de “entregar o que prometem” que legitima o sistema democrático. Por sua vez, a globalização econômica radical (da qual a financeirização faz parte) vem minando a capacidade dos governos eleitos de “entregarem o que prometem” e isso vem deslegitimando e desacreditando a democracia como aquele sistema e método de governo capazes de atender aos anseios e necessidades da maioria de suas populações.

Entregar o que prometem?! Então, a democracia brasileira está bem ruim das pernas…

No caso brasileiro, esse problema geral vem se agravando pelo fato de que, desde a crise internacional de 2008 e, sobretudo, depois do golpe de 2016 e da eleição fraudulenta de Bolsonaro/Guedes, os governos vêm perdendo capacidade adicional de “cumprir promessas. De realizar seus próprios projetos de poder, enfim, governar”. Isso acontece em função da montagem de um arranjo político-institucional de natureza fiscalista e rentista; inclusive, via Emenda Constitucional 95-2016. Este arranjo quer viabilizar um processo crescente de apropriação e concentração dos recursos do Estado (arrecadação tributária) por parte de poucos e privilegiados setores e agentes econômicos, como bancos, grandes empresas, fundos de pensão, investidores estrangeiros e institucionais etc.

Com isso, o Estado brasileiro vai perdendo a capacidade de atender aos anseios e necessidades de sua população; ou da maioria dela. Fator de deslegitimação adicional da nossa democracia como pretenso sistema que tornaria possível a livre manifestação de interesses diversos da sociedade organizada, a sua transfiguração em consensos e acordos políticos pactuados e representativos, e a implementação de decisões supostamente transparentes e benéficas para o país e sua população.

E quando falamos em governo Bolsonaro?

A situação atual é tal que o governo age explicitamente para representar e agradar apenas uns poucos grupos sociais já privilegiados. Por um lado, concentra renda e riqueza nas mãos desses grupos. Por outro lado, dificulta ou inviabiliza as condições mínimas de vida e de reprodução social da maior parte da população, que vai sendo excluída do processo econômico e do processo político decisório sobre o futuro do país.

Isso apenas se faz possível por meio do privilegiamento e fortalecimento de uma parte do Estado. Justamente, aquela de índole militar-policial-judicial repressivo que executa as políticas de repressão (e de opressão) da maioria. Instaura-se, assim, um tipo de Estado de natureza e intenções liberal-autoritárias, que destrói os fundamentos e possibilidades de funcionamento adequado de nossa democracia.

Durante todo o tempo de debate, no Congresso, sobre a PEC 32, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não enviou nenhum estudo significativo sobre os benefícios da Reforma Administrativa para as contas públicas do Estado. Na sua opinião, a que se deve isso?

Sobre a PEC 32/2020, a da Reforma Administrativa, Paulo Guedes não enviou estudos robustos sobre possíveis impactos dessa reforma nas contas públicas porque, simplesmente, eles não existem!!! Isso se deve a duas ordens de fenômenos: 1º) incompetência, prepotência e má-fé do atual governo para com o tema e os servidores públicos; 2º) enorme desconhecimento do governo acerca dos verdadeiros problemas da administração pública brasileira e da complexidade político-institucional para a solução destes.

Aproveitando que conversamos com um estudioso, pode nos explicar como acontece a privatização das finanças públicas no Brasil?

A privatização das finanças públicas é um processo econômico-financeiro por meio do qual uma parte crescente do fundo público vai sendo apropriada e concentrada em grupos econômicos e sociais, privilegiados por suas relações com o Estado. De um lado, significa transformação em recursos financeiros, de recursos reais derivados do sistema econômico produtivo por meio da arrecadação tributária primária. A partir de então, engendram mecanismos autônomos e endógenos de valorização, que chamamos de financeirização. Isso ajuda a configurar no país um regime de dominância financeira, fortemente, intermediado pelas finanças públicas nacionais.

De outro lado, a transmutação compreende a própria mudança de titularidade e propriedade do capital: de uns para outros agentes econômicos. Processo esse que chamamos de privatização das finanças públicas. Trata-se, portanto, de fenômeno por meio do qual se vão consolidando duas situações antagônicas entre si.

Os normativos constitucionais e infraconstitucionais que primam pelo enrijecimento da gestão e execução orçamentária e criminalização do gasto público real, sobretudo o de natureza orçamentária. Justamente, o gasto que é responsável pelo custeio de todas as despesas correntes; tanto as intermediárias/administrativas, como as finalísticas destinadas à implementação das políticas públicas em todas as áreas de atuação federal. E os normativos que blindam o sistema financeiro brasileiro da punição criminal sobre os ilícitos financeiros cometidos, tais como evasão de divisas, fraudes e remessas a paraísos fiscais.

Nesse jogo político-econômico, como fica a população do Brasil?

Todos esses regramentos sinalizam para ampla liberdade, blindagem política e grande raio de manobra para o gasto público financeiro. Um exemplo foi a recém aprovada “autonomia” do Banco Central. Em outras palavras, é a flexibilização sem limite superior; a blindagem normativa e institucional do gasto público financeiro. Justamente o oposto do tratamento que vem sendo conferido ao gasto primário real do setor público brasileiro.

As implicações desse duplo processo são perniciosas para a dinâmica de crescimento econômico e para as condições de vida e reprodução social da população brasileira.

Como a Reforma Administrativa proposta pelo governo Bolsonaro se liga a essa estrutura e dinâmica em torno dos fundos públicos?

Desde 2016, todas as medidas e PECs – incluindo a PEC 32/2020 – se valem do mesmo argumento falacioso de que o Estado brasileiro seria grande, caro e ineficiente. Mas ocorre que o ajuste fiscal, concentrado na farta produção de restrições legais e administrativas aos gastos primários – e vale dizer, em investimentos públicos, em políticas sociais, e com o funcionalismo –, jamais terminará. Afinal, nem a economia, nem as receitas públicas, nem os resultados fiscais se recuperam, o que coloca direitos e população sob ameaças eternas.

Além disso, ignoram que os lucros e sua concentração aumentaram e se sustentaram no agronegócio, nos grandes grupos varejistas e nos bancos, sobretudo em função de estratégias de valorização financeira dos seus portfólios, a partir do longo período de semi-estagnação que se estabeleceu como norma desde 2015, e prosseguiu durante a crise pandêmica atual.

O debate sobre finanças públicas no Brasil, diferentemente da sua direção observada no resto do mundo hoje, é altamente fechado ao contraditório pelo respaldo que a narrativa dos governos brasileiros encontra na mídia e no empresariado, ideologicamente interessados na agenda liberal de mercado. Daí a necessidade de criticar e rever esse arranjo normativo e institucional que se consolida no país. Ele é passível de contestação teórica e empírica. Razão pela qual é importante desnudar as suas implicações e apontar alternativas críveis para redesenhar a referida institucionalidade, com vistas à promoção de um desempenho econômico e social mais condizente com o potencial e anseios de crescimento e de inclusão do país.

Por que o Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado) é contra a PEC 32?

O Fonacate é inteira e integralmente contra a PEC 32/2020, basicamente, porque se trata de uma proposta que, não só não vai resolver nenhum dos problemas estruturais da administração pública brasileira, como vai criar ou fazer piorar vários problemas já existentes. Em síntese, trata-se uma proposta autoritária, fiscalista e privatista.

É autoritária desde sua concepção, feita sem consulta pública e nem mesmo consulta a especialistas ou servidores públicos. Passando pela forma e ritmo de tramitação no Congresso, em meio à maior crise econômica, social e sanitária da história brasileira. É autoritária em seus conteúdos, pois prevê transferência de poder hiper discricionário para os chefes de Poder Executivo, no que se refere ao redesenho e formas de funcionamento das estruturas organizacionais e carreiras do Estado.

É fiscalista, porque introduz uma reforma trabalhista de viés flexibilizante e precarizante das condições e relações de trabalho no setor público. Visa apenas facilitar os processos de contratação e demissão, redução remuneratória e ocupação de cargos alinhados aos interesses (mandos e desmandos) dos governantes de plantão.

Por fim, a PEC 32 é privatista, porque visa transferir para o setor privado a responsabilidade principal pela formulação, implementação e gestão das políticas públicas nacionais/federais, sobretudo, naquelas áreas rentáveis para o capital, tais como Saúde, Previdência, Segurança, Educação etc.

Caso seja aprovada nesses termos, a Reforma Administrativa impactará, direta e violentamente, nas condições de trabalho e de vida dos servidores públicos, bem como da parcela mais vulnerável da população, que depende diariamente da provisão pública de bens e serviços pela mão do Estado. Além disso, essa reforma deverá dificultar ainda mais a implementação das políticas públicas de cunho universal, integral e gratuita. Ao contrário! Ela incentivará a concentração, social e regional, da renda e da riqueza no país.

 





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