Conjur*
É comum escutar afirmações de que os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios) proporcionariam aos servidores civis de cargo efetivo inequívocas vantagens em relação ao Regime Geral (RGPS), conhecido como a previdência do INSS. Em particular, os principais ganhos seriam a integralidade (a regra pela qual o valor inicial da aposentadoria é igual à última remuneração do servidor em atividade) e a paridade (a regra de reajuste e adequação das aposentadorias e pensões por morte, nas datas e nas formas da alteração da remuneração dos servidores ativos).
Hoje, tais afirmações são questionáveis, pois as regras dos RPPS mudaram ao longo dos últimos anos.
Atualmente, fazem jus à integralidade e à paridade apenas os servidores que ingressaram no serviço público até 31/12/2003 (há 18 anos ou mais), o que inclui quase todos os aposentados. Para quem ingressou a partir de 2004, o benefício é calculado pela média dos salários-de-contribuição (as remunerações sobre as quais incidiu a contribuição previdenciária, ao longo da vida laboral do segurado) e reajustado anualmente pela variação da inflação.
Sem dúvida, a aplicação da integralidade representa uma vantagem, pois em geral garante ao servidor a aposentadoria muito próxima à maior remuneração recebida no período laboral. Já a aplicação da paridade pode ser prejudicial. Com efeito, quando não há reajuste salarial na data-base do funcionalismo, a paridade estende a redução do poder aquisitivo aos inativos. De acordo com a Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (2021), os servidores civis da União têm os salários congelados desde 2017 e, na última década, cerca de 90% deles acumularam perdas de 48% quando calculadas com base no IPCA/IBGE.
Também para os servidores sem paridade e integralidade, até há pouco tempo permanecia uma diferença atrativa em relação ao RGPS: o provento de aposentadoria e pensão não era limitado ao teto de benefícios do INSS (R$ 6.433,57, em 2021). No entanto, inicialmente na União (em 2013) e depois em vários estados e municípios, entrou em vigor o Regime de Previdência Complementar (RPC) estabelecendo o teto do INSS como valor máximo dos benefícios do RPPS do servidor que tenha ingressado desde então. Antes do fim deste ano, o ente federativo sem o seu RPC, terá de criá-lo, em virtude do disposto na Emenda Constitucional nº 103/2019 (EC 103), assemelhando ainda mais o RPPS ao RGPS.
Essa "convergência de regras" entre RPPS e RGPS está na agenda do governo federal desde a década de 1990, mas tem sido adotada de forma peculiar. Com efeito, foram eliminadas as vantagens do servidor em relação ao segurado do RGPS, mas não as desvantagens, algumas das quais, inclusive, foram criadas nos últimos anos. Em particular:
1) A Emenda Constitucional nº 20/1998 dispôs a idade mínima para a aposentadoria voluntária, enquanto até 2019 o RGPS previa a aposentadoria independentemente de idade mínima;
2) A exigência de tempo mínimo de contribuição de 25 anos para a aposentadoria no RPPS da União, contra os 20 anos do RGPS, conforme a EC 103;
3) As elevadas contribuições dos servidores nos RPPS subnacionais, cujas alíquotas contributivas não podem ser inferiores às do RPPS da União (quando deficitários) ou do RGPS (em qualquer hipótese), em que vigem alíquotas progressivas. Por consequência, entre 2019 e 2020 boa parte dos RPPS de estados e municípios adotou a alíquota uniforme de 14%, que exige dos servidores com remuneração de até os R$ 16 mil mensais contribuições maiores do que pagariam no RPPS da União.
4) A contribuição dos aposentados e pensionistas, autorizada na Emenda Constitucional nº 41/2003. Expressamente vedada no RGPS (ver o artigo 195 da Constituição Federal), equivale a uma redução do benefício concedido. A EC 103 agravou esse desconto, ao permitir o aumento da base contributiva, que passa da parcela do provento que superar o teto do INSS para a que exceder o salário mínimo, quando o RPPS for deficitário. Assim, o ônus da solução do déficit pode ser transferido do Estado para os segurados, assemelhando a regra de equacionamento de déficit da previdência do setor público àquela vigente na previdência privada dos fundos de pensão.
5) A "contribuição extraordinária" dos servidores ativos e inativos, que foi autorizada pela EC 103 para amortizar o déficit atuarial do RPPS e poderá ser disposta em lei do ente federativo em adição à contribuição ordinária. Tal desconto, inexistente no RGPS, desonera o Estado e penaliza os servidores.
Em suma, a vinculação ao RPPS pode ser (ou vir a ser) um castigo em comparação com a filiação ao RGPS, principalmente para os servidores de cargo efetivo com ingresso após a instituição do regime de previdência complementar (os "novos" servidores), mas talvez também para os demais servidores, penalizados pelas contribuições dos inativos e as contribuições extraordinárias.
Nos RPPS, a alteração das regras de concessão e valor dos benefícios, bem como de contribuição previdenciária está no cenário, pois os governos querem limitar (ou até evitar) a insuficiência das contribuições incidentes sobre as remunerações e os benefícios dos servidores na cobertura das despesas previdenciárias, o chamado déficit. Conforme Pereira (2020), a reforma administrativa em tramitação no Congresso Nacional permite a filiação ao RGPS de boa parte dos "novos" servidores que, pelas regras atuais, seriam vinculados ao RPPS. Assim, poderá agravar o déficit, ao contrair ainda mais os regimes próprios e lhes subtrair receitas.
A depender das alterações adotadas, o RPPS pode se transformar em um RGPS piorado, que paga os mesmos benefícios da previdência do INSS, mas concedidos e mantidos exigindo contrapartidas mais severas por parte dos segurados. Tal disparidade de tratamento fere o princípio da isonomia entre os segurados do RGPS e do RPPS. Entretanto, o Judiciário não tem sido receptivo a esse tipo de contestações.
Após a "convergência de regras", há de se confrontar o custo x benefício do RPPS e do RGPS, na perspectiva do servidor. Se o RPPS for desfavorável, entre as alternativas, há também a extinção do regime próprio, regrada no artigo 34 da EC 103, com as seguintes implicações: 1) os "novos" servidores serão filiados diretamente ao regime geral; 2) os servidores já em atividade, com exceção dos que já tiverem preenchido os requisitos para a concessão da aposentadoria (servidores elegíveis), serão migrados para o regime geral e farão jus a indenizações pagas pelo RPPS em extinção se, no passado, tiverem contribuído sobre remunerações superiores ao teto do RGPS; e 3) o RPPS em extinção não cessará de funcionar, mas manterá o pagamento das aposentadorias e pensões dos inativos e dos ativos já elegíveis, respeitando o direito adquirido.
Ou seja, a extinção não elimina o passivo do regime próprio, que continua a onerar ente federativo.
De um lado, o fim do RPPS interessa aos servidores ativos (hipótese a ser verificada caso a caso, considerando as especificidades de cada regime próprio), se e quando a adoção das regras previdenciárias do INSS amenizar as condições de acesso e manutenção do benefício.
De outro lado, a extinção tende a exigir por algumas décadas mais aportes do tesouro do ente federativo do que a manutenção do RPPS (principalmente se operado em regime de repartição simples, como no caso do RPPS da União), que continua com as despesas, mas sem as contribuições relativas aos servidores ativos transferidos para o RGPS. A previdência do INSS, ainda, em virtude da compensação previdenciária, deverá receber do RPPS em extinção também as contribuições passadas dos migrados a quem conceder a aposentadoria. Em suma, no curto e médio prazo, a extinção do RPPS tende a provocar (ou acentuar) o descompasso entre receitas e despesas, sobrecarregando o ente federativo, a quem cabe amortizar os déficits do RPPS.
Concluindo, na hipótese de uma relação "custo x benefício" do RPPS desfavorável aos servidores em comparação com o RGPS, o regime próprio será desvantajoso para os servidores em atividade. Como a vinculação ao RPPS ou ao RGPS não depende de escolhas individuais, a defesa do serviço público visa a assegurar regras previdenciárias que não penalizem os servidores.
A primeira forma para atingir esse objetivo é retirar dos RPPS as regras mais severas do que as do RGPS. Contudo, diante da atual correlação de força no âmbito dos poderes executivos e legislativos dos entes federativos, talvez essa retirada seja difícil. Cabe avaliar também a extinção do RPPS e a migração dos servidores ativos para o RGPS. Essas medidas podem ser efetivamente perseguidas ou apenas utilizadas para abrir espaços de negociação em prol do funcionalismo, sobretudo se o ente federativo quiser evitar a extinção do regime próprio por entendê-la mais onerosa do que a manutenção do mesmo.
*Matemático e especialista em previdência, Luciano Fazio.